visitamos a ilha dos marinheiros com um objetivo definido, entrevistar o maior número possível de moradores para uma reportagem sobre políticas sociais, programa de transferência de rendas e linhas de pobreza, aspectos de justiça distributiva, qualidade de vida e bem-estar social e uma tentativa honesta, nem sempre exitosa, de calçar o sapato dos ilhéus e tentar olhar o mundo da perspectiva deles... a chegada deu-se, como sempre ocorre comigo, sob um clima misto de sensações e emoções algo na linha aventura pela descoberta, responsabilidades compartilhada e receio de que algo saia da linha, em todos os casos, envolvimento.
a primeira observação geral, casas em ruas paralelas em linha reta sem nenhum calçamento ou infra-estrutura, todas de madeira e vulneráveis ao frio, a chuva e ao poderoso rio Guaíba, mas "a água é boa" , segundo as palavras de um morador que me protegeu de um cavalo de carregar papeis que parecia querer participar da pesquisa pois bastava eu começar a entrevista e ele se aproximava olhando de esguelha, mas com uma cara de gente boa...
entrevistei poucos, no beco 17, a linha mais dura em possibilidades humanas perdidas, no final da rua, uma senhora separava o lixo em um galpão, mãos calosas, olhar duro e expressões fortes, sempre respondia não antecipado por um forte movimento de cabeça, alta, séria, indígena, "eu sou meio bugra"disse ela procurando os olhos com timidez, e sofrida, quase não conversamos, e ela só esboçou um sorriso quando apertamos as mãos e eu pedi desculpas por invadir o seu local de trabalho...
as perguntas que não vou reproduzir, não são suficientes, mesmo que, eventualmente, consigam dá voz a quem foi esquecido, embaixo da ponte, na ilha, quando da época da construção da ponte suspensa que leva ao sul do Estado, Pelotas e adjacências, desde aquela época, poucos cuidados e muitos sofrimentos, aflições e uma vida em absoluta restrição sem um sorriso fácil...o que fazer quando se depara com esse mundo escondido diante de umas paisagens mais belas da tua cidade de viver? Certamente, o olhar das coisas abre o jogo das especulações uma das entrevistadoras, jovem ainda, comentou de passagem, "as casas não são iguais e algumas são muito ajeitadas e a renda familiar é maior, mesmo assim..." respondi meio surpreso e sem convicções profundas, li em algum lugar que as capacitações do Sen são indivíduos especificas e, por isso, devemos entrevistar indivíduos...
depois no ônibus de volta, comecei a pensar sobre toda a manhã, chegamos às 8h30 e voltamos cinco horas depois, uma insatisfação geral e o olhar contaminado por minha formação sempre procurava a vida econômica da ilha, um bar, duas bodegas e dois centros de coleta seletiva de lixo, um público e um privado, nada mais...sempre achamos que temos as soluções e tentamos atender os indivíduos, mas, nesse caso, fiquei o tempo todo com a sensação de que a abordagem centrada no bolsa família e no orçamento participativo, ambos citados pela líder comunitária que nos recebeu, eramos 17, entre alunos e três professores, foi e é um grande equivoco porque ela não propicia uma vida econômica livre, independente e exitosa para os que por lá vivem, mesmo não tendo a minima ideia do que fazer, a impressão da manhã de sábado na ilha, cada cena, gesto e paisagem fazem parte da minha experiência e da minha, nossa, eterna limitação na abordagem das pessoas e de seus graves problemas, somos muito limitados e estreitos no desenho de políticas sociais, estamos errando o pior erro e caminhando para o lugar nenhum, deixamos a ilha, mais uma, abandonada e sem saídas reais...
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