18 fevereiro 2009
Populismo na AL
Folha de São Paulo
Lula não desce do palanque
Ferreira Gullar
MINHA GENTE, estou a cada dia mais perplexo com a performance do nosso presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
Não que ele tenha mudado essencialmente; nada disso, ele se comporta assim desde o primeiro dia de governo: não desce do palanque.
Às vezes me pergunto se minha crescente perplexidade decorre dessa sua insistência que já dura sete anos ou de alguma outra coisa.
Acho que são as duas: por um lado, já não aguento ouvi-lo falar pelos cotovelos, gesticular e postar-se como um ator num palco e, por outro, percebo-o cada vez mais à vontade para dizer o que lhe convenha, conforme o momento e conforme o público.
Sem nenhum compromisso com a verdade e com a postura de um chefe de Estado.
Ele não se comporta como chefe de Estado. Fala sempre em termos pessoais, ou louvando-se a si mesmo sem qualquer constrangimento ou acusando alguém, seja a imprensa, seja a oposição, sejam as classes ricas, sejam os países ricos.
Estão todos contra os pobres, menos ele que, felizmente, assumiu o governo do Brasil para salvá-los, após quatro séculos de implacável perseguição.
Do Descobrimento até 2003, ninguém sabe como o Brasil conseguiu sobreviver, crescer, chegar a ser a oitava economia do mundo, sem o Lula!
Só pode ter sido por milagre ou qualquer outro fator inexplicável.
A verdade é que, apesar de tudo, o país resistiu até o momento em que ele, Lula, chegou a tempo de salvá-lo.
Isso ele afirma com uma veemência impagável, como se fosse a coisa mais óbvia e indiscutível do mundo.
Sem rir, o que é mais surpreendente ainda, diante do olhar espantado de favelados, trabalhadores, funcionários públicos, aposentados.
Já quando o público muda, ele também muda o discurso. Se fala para empresários, banqueiros, exportadores, a conversa é outra.
Mostra-se preocupado com o crescimento da economia, com o apoio do BNDES à iniciativa privada e chega mesmo a admitir que sem os empresários o país não cresceria. E o balanço de final de ano mostra que os bancos realmente nunca ganharam tanto dinheiro como durante a gestão presidencial do fundador do Partido dos Trabalhadores, que se dizia inimigo número um deles.
Joga com um pau de dois bicos, mas dá certo. Diz uma coisa para os pobres e o contrário para os ricos, mas dá certo.
Tanto que a sua popularidade cresce a cada nova pesquisa de opinião. (cresce mesmo?)
Na última delas, o índice de aprovação de seu governo alcançou mais de 70% e a dele, presidente, mais de 80%.
Ele fala, fala, fala, viaja, viaja, viaja; o resto do tempo faz política. Há uma cumplicidade esquisita: Lula finge que governa, e o povão finge que acredita.
Mas, infelizmente, os números da estatística não conseguem cegar-me. Pelo contrário, ao ver tamanha aprovação a um presidente da República, que busca deliberadamente engazopar a opinião pública, preocupo-me. Para onde estamos sendo arrastados? Até quando e até onde conseguirá Lula manipular a maioria dos brasileiros?
Essas considerações me ocorreram ao ler o discurso que ele pronunciou, no Rio de Janeiro, na favela da Mangueira, ao inaugurar uma escola.
De ensino não falou, claro, já que não lê nem escreve. Anunciou a intenção de usar prédios públicos desativados como moradia de sem-teto.
E aproveitou para mostrar como os ricos odeiam os pobres: disse que os ricos da avenida Nove de Julho, em São Paulo, não querem deixar que gente pobre venha morar ali, num prédio público desocupado. "Mas nós vamos colocar, porque a moradia é um direito fundamental do ser humano."
Palmas para ele!
Nessa mesma linha de discurso para favelados, defendeu as obras do PAC, afirmando que a parcela mais pobre da população é que será beneficiada, e aduziu: "Quando a gente faz isso, perde apoio de determinada classe social, porque gente rica não gosta que a gente cuide muito dos pobres".
O discurso, como sempre, é atrapalhado mas suficientemente claro para que a mensagem seja entendida: os ricos odeiam os pobres, que só contam com Lula para protegê-los. A conclusão é óbvia: se o Lula é o pai dos pobres, quem se opõe a ele certamente os odeia e ama os ricos.
Assim como se apropriou de tudo o que antes combatera, improvisou o tal PAC, um aglomerado de projetos pré-existentes de empresas estatais, governos estaduais e municipais, que vai desde o pré-sal até a ampliação de metrôs e o trem-bala.
Mas o investimento do governo federal é de apenas 0,97% do PIB, menos do que investiu FHC em 2001. Se tudo o que está ali é viável ou não, pouco importa, desde que sirva para manter Lula e Dilma sob os holofotes.
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artigo na fsp - 15/02/09
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