29 janeiro 2011

Piauí no Estadão

Piauí, a última fronteira agrícola do Brasil

Autor(es): Renée Pereira
O Estado de S. Paulo - 23/01/2011
 
 
No comando de uma retroescavadeira recém-comprada, o fazendeiro Cornélio Sanders, dono de quase 50 mil hectares no sul do Piauí, brigava com a tecnologia da nova aquisição para remover uma pedra no meio de sua propriedade. Apesar de não conhecer bem os sistemas ultramodernos da máquina, o gaúcho, natural da cidade de Não-me-Toque, não quis perder tempo. Deixou o ambiente confortável do escritório para trás e partiu para o campo, naquela tarde quente e abafada de dezembro. Queria deixar tudo preparado para a chuva que prometia cair ainda naquela noite para, no dia seguinte, iniciar a plantação.
No Piauí, é assim. Bastam algumas nuvens escuras no céu para os agricultores começarem a correr na preparação de máquinas, sementes e terra. Com o calor intenso, a umidade do solo acaba rápido. Por isso, algumas horas após a chuva, eles precisam iniciar o plantio. Caso contrário, terão de esperar até a próxima tempestade e correr o risco de perder o tempo da safra. "Aqui o clima é peculiar. A janela para a operação é muito curta, comparada a outros locais", diz Gregory Sanders, de 31 anos, filho de Cornélio, que chegou a Uruçuí (maior produtor do Piauí) em 2001.
Ele conta que a ida do pai para o Piauí, depois de passar por Mato Grosso e Minas Gerais, foi uma decisão corajosa e arriscada. Afinal, o Estado vivia embalado pelo estigma de "terra pobre que nada produz". Hoje o mantra é outro. O Piauí virou a última fronteira agrícola do País, reduto de endinheirados adeptos da alta tecnologia, máquinas e aviões de última geração.
Um retrato disso foi mostrado em recente relatório do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), que pôs o Piauí na liderança dos Estados com maior crescimento real do Produto Interno Bruto (PIB) em 2008. A expansão foi de 8,8%, acima da média nacional de 5,2%. Boa parte do desempenho se deveu aos resultados positivos da agricultura, cuja participação na produção nacional quase dobrou - de 0,6% para 1,1%.
Ainda é pouco diante das grandes potências nacionais, como Mato Grosso e Goiás. Mas o agronegócio apenas começou a engatinhar no Piauí. Segundo cálculos dos produtores, só 12% do potencial do Estado - calculado em 3 milhões de hectares - foi explorado, a maioria com soja. Entre 2000 e 2009, a área plantada cresceu 593%, contra a média nacional de 59%. Detalhe: o preço da terra ainda é considerado uma pechincha na região, apesar da demanda elevada.
Enquanto no sul do País um hectare custa em torno de R$ 10 mil, no Piauí não passa de R$ 2 mil, comenta Ribamar Mateus, da empresa imobiliária JRM. "O pagamento pode ser dividido em três vezes num prazo de dois anos", diz o consultor, nascido em Uruçuí. Segundo ele, o preço da terra no sul do Piauí já foi bem mais barato, quase de graça. "Tem muita gente que comprou fazendas aqui pelo preço de uma carteira de cigarro (o hectare)", lembra.
De olho nesse potencial, vários investidores - muitos estrangeiros - estão desembarcando na região. Segundo dados do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), nos últimos três anos, a venda de terras no Piauí para estrangeiros cresceu 138% (de 24.619 para 58.700 hectares) - quinto maior vendedor do País. O grupo argentino Los Grobo foi um dos primeiros a chegar por lá. A americana Bunge também demarcou território e construiu uma unidade de processamento de soja em Uruçuí. Agora quem está de olho nas terras piauienses são os chineses, que andam sondando oportunidades.
Brasileiros. Mas, apesar do interesse estrangeiro, são os brasileiros que estão desbravando o Piauí. A maioria tentou a sorte no Centro-Oeste antes de se aventurar por terras nordestinas. Um deles é o paranaense Altair Fianco, filho de agricultor familiar, natural de Pato Branco. Depois de uma breve passagem por São Gabriel do Oeste (MS), onde plantou soja em área arrendada, ele partiu para o Piauí. Em 1989, desembarcou em Uruçuí com a mulher e dois filhos. Comprou 9 mil hectares e montou sua fazenda de soja e milho.
Hoje Fianco tem 1.700 hectares de área plantada, mas a intenção é atingir 5 mil hectares nos próximos anos. "Procuro não me endividar. Prefiro fazer tudo aos poucos, de acordo com as minhas condições." O fazendeiro garante que a produtividade das terras do Piauí já não perde em nada para as plantações de Mato Grosso e Paraná. "Hoje consigo tirar 60 sacas de soja por hectare. No caso do milho, consegue-se até 150 sacas", comemora ele, que recebeu, em 2010, o título de cidadão piauiense.
A família Sanders chegou a Uruçuí quase uma década mais tarde para ser pioneira na plantação de algodão, sem deixar de lado outras culturas. Dos quase 50 mil hectares da Fazenda Progresso, 22.900 estão ocupados com soja, milho, algodão e eucalipto. Embora a soja ocupe uma fatia maior da propriedade, é o algodão que rende mais, diz Gregory, que hoje praticamente comanda a Fazenda Progresso, enquanto o pai dirige os negócios em Minas. Em 2005, inaugurou uma usina de beneficiamento de algodão, que abastece a indústria têxtil do Nordeste. A expectativa para os próximos anos é elevar a área plantada para 27 ou 28 mil hectares.
Um dos últimos a apostarem no Piauí foi a família Ioschpe. Em 2004, depois de ouvir maravilhas sobre o Estado, o empresário Ivoncy Ioschpe comprou 14 mil hectares na região. Três anos mais tarde, decidiu criar fazendas e contratou a Insolo, uma consultoria que desenvolvia tecnologia de alta precisão para o Cerrado. A parceria deu tão certo que, em 2008, a Insolo foi comprada pelos Ioschpes e se tornou a Insolo Agroindustrial, a maior investidora do Piauí.
Hoje a empresa tem 41 mil hectares de área plantada e produz 130 mil toneladas de grãos (soja, milho, arroz e sorgo). O objetivo é alcançar 120 mil hectares em quatro anos - 20 mil a cada ano. Isso significará produzir 400 mil toneladas de grãos. Até lá, serão investidos US$ 400 milhões, boa parte em tecnologia de alta precisão, diz o presidente da empresa, Salomão Ioschpe. "Estamos produzindo numa região com vocação para a agricultura em grande escala com uso intensivo de tecnologia. O Piauí tem tudo para se tornar a maior região para desenvolvimento de grãos no País."
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Região sofre com serviços precários

O Estado de S. Paulo - 23/01/2011
 
 
Além das estradas ruins e da falta de transporte ferroviário, sul do Piauí tem rede elétrica frágil e telecomunicações instáveis
A alta tecnologia das fazendas do Piauí é um contraste com a precária infraestrutura da região. Apesar de as principais rodovias terem sido recapeadas recentemente, os acessos às fazendas ainda são de terra batida, estreitas e esburacadas. Sem nenhuma ligação ferroviária - como ocorre em quase todas as grandes áreas produtoras de grãos do Brasil -, as milhões de toneladas produzidas na região saem da lavoura de caminhão.
No pico da safra, os enormes congestionamentos mais lembram as filas que se formam nos portos do Sul, garantem os produtores. "O Piauí é uma região difícil do ponto de vista de infraestrutura", afirma o presidente da Insolo, Salomão Ioschpe, que tem 41 mil hectares de terra plantada no Estado.
A esperança dos produtores é a construção da Ferrovia Transnordestina, que ligará o sertão do Piauí aos portos de Suape, em Pernambuco, e Pecém, no Ceará. A estrada de ferro sairá da cidade de Eliseu Martins.
Mas não é apenas a infraestrutura logística que castiga os moradores do sul do Piauí. A rede elétrica é extremamente frágil e limitada. Basta chover alguns minutos para as cidades ficarem às escuras. Nas fazendas, a situação é ainda mais complicada. A maioria tem de recorrer aos geradores movidos a óleo diesel para não ficar refém das redes de distribuição.
"A gente só paga imposto e não tem benefício nenhum", afirma Luiz Quirino Peteck, dono de uma propriedade em Baixa Grande do Ribeira, segundo maior região produtora do Estado. Ele conta que em algumas épocas do ano chega a consumir 2 mil litros de diesel por dia (ou R$ 4 mil).
O produtor - que esperava um dia inteiro para fazer duas ligações para o Sul do País na única linha da cidade - hoje tem telefone fixo, celular e internet na fazenda. Isso não significa, porém, que funcionam todo o tempo.
Na Fazenda Progresso, os serviços funcionam um pouco melhor por causa da proximidade com o município de Uruçuí. Mas, como a propriedade é muito grande, em algumas áreas nem os rádios funcionam. Nesse caso, vale tudo para tentar se comunicar com a sede, que fica às margens da rodovia PI-247, a 30 km de Uruçuí. A saída é subir no local mais alto - no caso, os tratores e plantadeiras.
Avanços e retrocessos. Apesar das dificuldades, os moradores de Uruçuí - cidade de 20 mil habitantes visitada pela reportagem do Estado por ser a maior produtora de grãos do Piauí - reconhecem as mudanças trazidas pelo agronegócio. "Melhorou 90%. A cidade era muito atrasada. Hoje temos trabalho e podemos continuar por aqui", afirma Valdina Barbosa da Silva, que morou dez anos em Brasília e retornou à cidade natal em 2007.
Hoje ela trabalha numa financeira, no centro de Uruçuí. Valdina conta que a busca por crédito na loja tem crescido todo mês. O dinheiro do empréstimo é usado para reformar casas ou para comprar o veículo preferido dos uruçuienses, a moto. "Todo mundo tem moto, mas quase ninguém tem carteira", diz.
Uruçuí tem hoje a maior renda per capita do Estado, superando até a da capital Teresina. Mas, apesar dos avanços, a maioria decorrente de investimentos privados, muitos moradores reclamam que a cidade poderia estar numa posição mais privilegiada e com melhores condições de lazer para a população. Além de ter a maior renda per capita, o município tem o quarto Produto Interno Bruto (PIB) do Estado.
Mas, infelizmente, os anos de desmandos de políticos que comandaram a cidade não permitiram que a população fosse beneficiada. A prefeitura vive atolada em dívidas, já teve as contas bloqueadas pelo Ministério Público e não consegue fazer novos investimentos. Já o atual prefeito pouco conseguiu mudar a situação caótica das contas públicas. E na semana passada foi preso numa operação da Polícia Federal, ao lado de outros prefeitos do Piauí.

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Falta de qualificação obriga fazendeiros a ''importar'' mão de obra

O Estado de S. Paulo - 23/01/2011
 
 
Além da falta de infraestrutura, outro problema relatado pelos fazendeiros do sul do Piauí é a falta de mão de obra qualificada. Como as máquinas usadas na lavoura são equipadas com alta tecnologia, GPS, painéis eletrônicos e computador de bordo, os profissionais precisam ter algum conhecimento.
"Temos tido muita dificuldade para preencher as vagas, mesmo pagando 30% mais que a média do mercado", afirma Gregory Sanders, da Fazenda Progresso. Ele afirma que a falta de experiência dos operadores compromete a capacidade da máquina. "Um equipamento que poderia produzir 2x, acaba produzindo apenas 1x."
Uma das soluções tem sido "importar" profissionais de outras regiões. No Condomínio 2000, de Altair Fianco, há profissionais do Rio Grande do Sul, que têm alto conhecimento sobre o plantio de soja, com o é o caso de Clodovil Zimmerman, de 54 anos.
Antes de chegar ao Piauí, ele passou pelas fazendas de Mato Grosso do Sul e Goiás. Trabalha há quase 40 anos no agronegócio e é um exímio operador de uma máquina chamada uniport. Com o auxílio do GPS, ele percorre toda a lavoura, pulverizando as mudas de soja. A regra é ir e voltar com a máquina sem passar com as rodas em cima da plantação.
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