28 outubro 2005

Recolhimento

Nenhum de nós sabe o que fazer, na realidade, estamos presos numa armadilha qualquer, ficamos em paz quando esquecemos que ela existe e que o destino é uma ficção para acalmar os mais ansiosos, nada que empurre para um paroxismo contempla a verdade, afinal, o que sabemos ainda é precário, podemos antecipar dias de glória ou de tormenta com o mesmo grau de exatidão que conseguimos prever o fim dos dias, nenhum exatamente, é o nosso melhor prognóstico. Isso ocorre não para nos deixar paralisados, talvez para perturbar uma avaliação qualquer de uma trajetória, mas isso, essa postura é apenas um descuido do ócio ou uma dúvida sem sentido. Melhor recolher a página, reanimar as letras, teclar ou ler as tecladas letras na tela, do que alimentar o paroxismo, há modelos melhor desenhados para a lógica linear, outros são incoformes, distintos, seguem uma nuvem como uma cadeia de arquivos em fila, mas nenhum deles é exato ou compreensível, apenas deixam as horas ocupadas e tornam a vida surpreendentemente bela.

A Lista

Convidado para assinar uma lista de apoio ao eminente que, por acaso, também é iminente ex-mais uma posição na hierarquia paroquial, o sofrível articulista e defensor das causas nobres hesita, não poria meu nome numa lista onde no cabeçalho vai um impropério, muitas mentiras e uma vaga alegação de descaso com os atributos da defesa.
Essa peça de mal gosto é apenas uma das faltas de decoro que a atual crise impõe ao cidadão comum que alivia sua carga de apuros com muito trabalho e com um zelo precioso por valores nobres. Afinal, quais são esses tais valores? Como explicar a origem de recursos de tamanha monta ou a prática incompatível com o discurso do passado? Nada na esfera pública pode ou deve ficar sem resposta, afinal, a transparência é uma prerrogativa democrática os que são ungidos por um mandato das urnas devem, bem mais que desculpas por traições, devem um esclarecimento completo, cabal - como uma palavra, na língua presa, pode perder rapidamente o sentido - para que a opinião pública possa manifestar e usar o seu único poder que é o de optar, escolher ou des-escolher (se essa palavra pudesse ser desconstruída todos os dias, não teríamos tanta mentira ou falácia nos noticiários). No mundo de hoje, listas de apoio, também nada significam, evocam apenas a falta de compromisso com a verdade e um engajamento despudorado com grupos e com um passado de apoios fisiológicos, ou não, mesmo sem saber toda a verdade os interlocutores desconfiam que o benefício da dúvida não obedece ao critério de listas. Vergonha de uma crise que alimenta a lista de nossas mazelas e que empurra para uma obscura propaganda a verdade: não avançamos em nenhum sentido objetivo no combate aos nossos problemas e ainda estamos mais corruptos e menos transparentes.

16 outubro 2005

Ausência

Na realidade não estavas quando eu precisava e a minha vida perdeu o roteiro habitual, isso, e mais uma porção de gente nova que acabei conhecendo, despertou nele uma duvída, poderia, alguém como ele, experimentar outra vida? Não sabemos o que significa uma nova vida, mas como eufemismo para uma "nova vida" é bem adequada, é quase um refrão, soa como uma despedida, tudo bem, aceito trocar a velha escova por uma nova, e coloco na caixa verde de recordações o álbum de fotos, os bilhetes das passagens para aquelas cidades todas, afinal nomeá-las exigiria uma outra página, aceito sem cerimônias ter que contar aos velhos amigos a mesma história, não deu, não foi, poderia, mas não foi, sem saber porque ou se há porques, viramos a página, que página, muitos livros nao sabem para onde ir, na mesma estante os cds e dvds, empilhados na caixa, sempre uma caixa, encaixota-se emoções com fita crepe e marcador, um para cada sorriso ou lágrima, nada fica de fora, já estão no teto, os telefonemas, as cartas, ou os disquetes com aqueles que não conseguiram deletar, os óculos que o tempo desfocou, a placa do primeiro carro, as horas no café da esquina, a sensação verbosa da ilusão que tanto contagia, as viagens, mais uma, a última, em julho ou setembro, para são paulo, paris ou amsterdã, a volta pra casa na estação das festas, a dificil conversa com as amigas, mais caixas na pilha desequilibrada pelos pesos disformes de uma ou outra lembrança mais aguda, ameaçam adiar a mudança, entalhes, quadros, pingentes, perfumes, mais livros, visigodos e aqueles imãs de lembrança ou de recados, tudo para caixa vermelha, azul, verde uma para cada ausência.

12 outubro 2005

Marcapasso

A palavra não funciona, é desencontrada, não tem ritmo e não serve como rima, improvável, o lenhador-navegador, sonha com uma volta nos braços do polvo, tentáculos e tentações não faltam, mas deixemos o barco correr, afinal, na primeira pessoa, navegar é preciso, viver, nem tanto. Essa salada mística, onde palavras banais e citações inapropriadas e equivocadas soam como sabedoria pagã, marca o prontuário e pontua a contagem regressiva. Não nos negaríamos a comentá-las, mas a volta do calor e a agitação da casa, demandam impressões mais interpessoais. Uma vaga, periodicamente, reencontra o dique, sem palavras exatas, a mesmice, a delação e a traição, compõem a cena, como se a rua ainda estivesse ativa para os oportunistas. O senhor não deve enviar recados sem assinar, afinal, temos que manter o diálogo. Diálogo, aliás, que mantém uma forte impressão belicosa, como se o outro fosse uma metástase, algo que agride e surge sem uma lógica aparente, em qualquer lugar. Não temos, portanto, controle sobre circunstâncias exogenamente definidas, mas podemos ter a consciência que não está em nós o ato de vontade que gerou ou criou a miséria humana, em certo sentido, estamos isentos e podemos como queria o senhor das vagas, "saltar para fora da possibilidade do soco" e apertar as esporas da vida com a mão firme no estribo....

01 outubro 2005

Ex-officio

  1. Em que pese os muitos afazeres, por que a escrita pública não manteve o seu ciclo?
Em dias instáveis e de valores duvidosos receio que a melhor forma de expressão seja a da tradição oral e pessoal, interpessoal, mesmo assim, continuei buscando as palavras no glossário, aquelas, que, pela sua malevolência no andar e ritmo e no falar, evocam sabores supremos e vidas possíveis, imemoráveis. Palavras precisam ser ditas sem o véu da ignorância (referência explicita ao jurisconduto) e na presença, óbvia ou não, do interlocutor.
  • 2. A eleição na câmara de um deputado de um partido sem representatividade preocupa pela precariedade que ela traduz?
Não estou convicto, mas certamente perturba o uso inescrupuloso da máquina pública para eleger um candidato chapa branca. Principalmente, no momento em que os representantes do povo, (ou seria do polvo?) estão sob suspeita de práticas nebulosas de desvio de recursos e auto-favorecimento no qual a principal fonte de recursos viria de fontes governamentais insuspeitas (diz-se de quem comanda a mesada sem sujar as mãos, apesar da falta de arrogância). Não é sensato tentar tapar o sol com a peneira (chargistas são seres supremos e conseguem traduzir o indizível) apenas para conter o processo de transparência e para, obviamente, estimular a sinecura e a sangria dos cofres da mãe Joana, não confundir com uma mãezona, zona, aliás, que não merece essa peneira.
  • 3. Certamente, esse processo já está saturado, na sua opinião para onde vamos?
Muitos adorariam ir para um paraíso fiscal cumprir as exéquias do sistema e comemorar a tríade alencariana, ar, mar e terra. Eu, indevidamente, prefiro, como o escavador, catar pregos enferrujados na rua sem saída, mas não ousaria pular o muro, visto pijamas e releio a memorialística dos modernistas, com óculos para perto de vistas fatigadas e levemente mareadas.
  • 4. Esse interlúdio atende a algum propósito?
Não pensei sobre isso ou nisso, apenas fiz uma pausa para respirar, mas, como quem antever a miserável diáspora, temia que seria o último suspiro. Agora, faço essa concessão para atender aos apelos de um amigo, aquele que vive na corte e sabe que o poder de impressão na moeda obedece a critérios rigorosos e que, ao não construir a independência, a casa pode ruir, mas não estou tão pessimista, afinal a poesia nos redime e o sonho ainda é real.
Uma última palavra.
Muito obrigado!